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Por que o Comandante de Helicóptero senta-se na direita?

07/04/2016

A pergunta sobre por que o piloto senta-se na direita no helicóptero é antiga e as explicações diversas, algumas históricas e outras nem tanto. Esse questionamento só existe porque o comandante do avião senta-se na esquerda e portanto, como os aviões apareceram primeiro, para os bons observadores deve haver algo errado com os helicópteros. Esses caras da asa rotativa gostam mesmo de ser diferentes.

Já que a pergunta refere-se ao lado que o comandante senta, precisamos entender porque no avião o assento escolhido foi o da esquerda. Santos Dumont, extraordinário inventor, aviador e benfeitor brasileiro, realizou o primeiro voo com o avião 14 BIS em 23 de Outubro de 1906 no Campo de Bagatelle em Paris. Data que no Brasil tornou-se o Dia do Aviador através da Lei número 218, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas em Julho de 1936. No 14BIS não podemos dizer que havia assento, Santos Dumont o pilotava de pé em uma caixa.

A evolução aconteceu, a Primeira Guerra Mundial eclodiu em 1914 e impulsionou o desenvolvimento da aviação. Os aviões recém surgidos com mais de um assento, tinham configuração tandem e o grupo motopropulsor na proa, ou seja, tudo seguia o eixo longitudinal da aeronave. O próprio Manfred von Richthofen, mais conhecido como Barão Vermelho (sim, ele foi uma pessoa, não apenas uma banda) utilizou aeronaves com assentos tandem para fotografar e avaliar o terreno inimigo.

A maioria desses aviões giravam suas hélices no sentido anti-horário, olhando de dentro da cabine para fora, e quando o piloto aplicava potência havia uma tendência da aeronave de rolar para a direita, exigindo maior controle dos pedais e ailerons. Os pilotos da época perceberam ainda que mesmo sem aplicação de potência era mais fácil curvar para a esquerda, isto é, no mesmo sentido do giro das hélices. Aliás, dizem alguns historiadores, esse é o motivo pelo qual a curva padrão na aviação é sempre para a esquerda. Dessa forma, quando surgiram os primeiros aviões com assentos lado a lado, ficou claro que o comandante deveria sentar-se a esquerda.

Passando agora para aquilo que nos é mais estimado, a primeira demonstração de um helicóptero totalmente controlável, foi realizado em Berlim em 1938 por Hanna Reitsch, sim, isso mesmo, uma mulher! O engenho chamado de Focke-Achgelis Fa-61, recebeu esse nome do professor Henrich Focke que o construíra e seu sócio Gerd Achgelis, aliás, Hanna e o professor Focke estiveram no Brasil a convite do governo brasileiro em 1952 para, dentre outras atividades, atender ao projeto de criação do CTA.

Para irmos a fundo e entendermos sobre o primeiro helicóptero com assentos lado a lado, precisaremos sair da Alemanha de 1938 e avançar alguns anos para os Estados Unidos, pois no dia 10 de Janeiro de 1941, o exército americano assinou contrato com a empresa de Igor Sikorsky, um russo radicado nos EUA que ficou conhecido por ter realizado o primeiro voo de helicóptero com apenas um rotor de cauda. Até então, os helicópteros utilizavam configuração de rotores lado a lado, coaxial ou tandem. A aeronave do contrato, chamada de XR-4, apresentava dois assentos lado a lado, um rotor principal com três pás, um rotor de cauda também com três pás e um motor de 175hp com sete cilindros. A eliminação de peso era primordial, qualquer parafuso desnecessário não deveria estar a bordo. Sikorsky então projetou a cabine com dois cíclicos, dois pares de pedais mas apenas um coletivo entre os bancos, portanto aluno ou instrutor deveriam dividir o mesmo comando, não havia ainda a definição de quem deveria sentar-se a esquerda ou a direita, utilizava-se o padrão dos aviões.

Em 20 de Abril de 1942 uma demonstração foi agendada para avaliar se a aeronave XR-4 atendia a todos os requisitos para realização da entrega, e então Charles Lester Morris, mais conhecido como Les Morris, piloto de testes de Sikorsky, foi designado para a exibição.

A data da demonstração chegara e Les Morris estava bastante nervoso, pois uma das exigências era que fosse realizado um pouso com o motor desligado, porém não existia qualquer procedimento estabelecido de autorrotação, tal feito jamais fora tentado em nenhum dos helicópteros de Sikorsky, além disso, os próprios engenheiros não sabiam afirmar se era possível ou não controlar o helicóptero sem motor. Les Morris foi em frente e executou a manobra com grande elegância e pousou com o motor totalmente desligado, provando que a aeronave era controlável mesmo em procedimento de autorrotação. A empresa de Sikorsky tornou-se a partir daí a primeira a fabricar um helicóptero em série e para tal, seria preciso que alguém instruísse os novos pilotos, e é aqui que começamos a explicação, pois o próprio Le Morris recebeu a incumbência de treinar os jovens aviadores.

Quando a instrução começou Les Morris continuou com a prática de sentar-se ao lado esquerdo, dessa forma todos os novos comandantes sentavam-se ao lado direito. Sikorsky recebeu muitas reclamações sobre instrutor e piloto terem que dividir o mesmo comando coletivo. Mas nesse período outra empresa começara a surgir para fabricar helicópteros nos EUA, a Bell Helicopter de Arthur Middleton Young. O modelo Bell 47 recebeu certificação em 1946 e já possuía um coletivo para cada assento, é natural portanto imaginar que qualquer piloto que aprendeu a voar no R-4, fosse utilizar o assento da direita e não da esquerda.

A conduta de escolher o assento da direita para comandar helicópteros deixou clara outras vantagens. A primeira é que o piloto de helicóptero não deve soltar a mão do cíclico, em especial nos modelos dos anos 40, pois se hoje um Robinson 22 apresenta vibrações desconfortáveis, devemos pensar o mesmo das aeronaves dessa época, pois sentado na direita, a mão esquerda (do coletivo) está livre para modificar frequências de rádio, calibrar altímetro ou coçar o nariz. Se o mesmo piloto sentasse na esquerda, deveria livrar a mão do coletivo e passar por cima da mão direita que está comandando o cíclico, seria como fazer uma curva de 90 graus em um carro sem tirar as mãos do volante, ou ainda imaginar o câmbio do carro na esquerda. Você poderia pensar também que o piloto pode soltar o coletivo e segurar o cíclico com a mão esquerda e ficar com a mão direita para movimentar o que fosse necessário no painel central, mas aonde estaria a assertividade desse contorcionismo apenas para mexer no painel? Melhor ficar quietinho na direita!

É preciso lembrar que hoje isso não é uma lei ou regra, há helicópteros que o piloto pode ficar sentado na esquerda como o modelo Esquilo B3 configurado para 7 lugares, o EC-130 B4 ou ainda alguns modelos russos como o Ka-26.

Independente do lado que o piloto senta, é preciso lembrar que sentar-se em uma cabine de comando, implica em vestir a aeronave, preocupar-se com os passageiros, conhecer seu equipamento, assumir responsabilidades. A própria palavra comandante é derivada do Latim commandare, de co- que intensifica o verbo e mandare de “mandar”, mandare por conseguinte é derivado de manus “mão“ e dare “dar”.

Na próxima vez que você entrar na cabine de um helicóptero e estiver pilotando, em qualquer assento que você tenha o comando, procure ser um cara brando, não é preciso ficar explicando que os pilotos estão se multiplicando.
Exerça com atenção o ofício que você escolheu e lembre que na esquerda ou na direita, o compromisso é seu!


Fonte: Haga Martins

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